
No chuveiro, ela pensa. Sempre faz isso. Mentira. Nem sempre, porque “está acabando a água no planeta”. O mundo em perigo está ficando cada vez mais chato. Me preocupo com ele amanhã. Hoje preciso de banho sem cronômetro, divaga.
Levanta a cabeça. Com a água na cara, lembra a cena de Psicose. Pouco antes de ser atacada, a moça embaixo da ducha olha para cima. A câmera é que olha, e continua seca. Ela nunca entendeu aquilo. Mas quem disse mesmo que tudo precisa ser compreendido?
Olhando agora para os azulejos da parede, ela se toca que a vida toda eles estiveram lá. Nem precisa fazer conta. A vida toda é isso mesmo. Desde que se lembra, era aquela imagem meio marrom, meio laranja. Feio, pensou.
Em poucos segundos já nem pensa no desenho, no padrão ou se o azulejo, e mesmo o banheiro, são bonitos ou não. O que a imobiliza por alguns instantes é o “a vida toda”. É tempo demais.
E, de repente, tem medo de imaginar por quanto tempo ainda duraria aquilo. Já estivera em outros chuveiros. Em um ou outro, por dias e meses seguidos. Sabia que poderia sempre voltar para aquele. Mas e quando não quiser mais? E se um dia não puder mais?
O que preocupa, na verdade, é a possibilidade de ficar pra sempre naquela vida. Não só naquele chuveiro, mas no seu quarto, nas suas roupas, na sua vida. Como naqueles filmes em que a pessoa acorda e revive o mesmo dia eternamente.
O problema é que talvez ela não saiba como gostaria que fosse o dia em que não for mais assim. Ela se sente confusa. E um pouco triste. E com vontade de ir não sei pra onde, fazer não sei o que.
Banho tomado. Fecha o chuveiro e fica ainda alguns instantes, pensando. Ela sempre fazia isso. Desde quando era pequena demais pra virar a chave sozinha pra posição verão. Faz muito tempo. Tempo demais.
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