terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Isso aqui, meu senhor, é (foi) uma carta de amor

Querido L.,

Curioso lembrar de você agora. Se bem que eu acredito que ninguém vai embora totalmente. Sempre fica um algo que sobra e cutuca. E então, volta o som da sua voz dizendo meu nome no diminutivo. E tem a imagem do seu cabelo e a sobrancelha que me intrigava levantando enquanto a outra repousava.

E, claro, lembro de que uma vez te escrevi uma carta. A última vez que fiz isso na vida. Planejei tudo e fiz de “próprio punho”. Mesmo com essa caligrafia que não me favorece e me faz parecer mal saída do Primário. Hoje chama Fundamental I, né? Porque o ensino não melhora, mas muda de nome. Mas, enfim... Sempre pensei que carta mesmo é assim. Palavras cursivas, garranchos de mão. Tem gente que tem letra caprichada, mas não é o seu caso também, não é? Traços feios de profissão bonita e admirada.

Lembro de ir à lojinha numa tarde com garoa. “Papel de carta, façavor”. “Prateleira da esquerda”. O bloco bem bonito. Na capa desenho de envelope, selo e avião. “Definitivamente, para cartas”, deduzi.

Em casa escolhi as canetas: verde para data e assinatura, azul para o resto. Fiz rascunho em folha de caderno e desejei te escrever com lápis. Minha letra sempre foi melhor assim. Mas isso é coisa de criança. Eu acho. Acabou que foi de caneta mesmo.

No papel usei as palavras mais bonitas para desenhar meu sentimento. Mas sabe do que eu mais lembro agora? Do que eu não escrevi. Voltávamos juntos do cursinho. Eu abria mão da carona para estender alguns minutos com você. No metrô, comentávamos a aula e as provas que viriam. No ônibus, o papo era política. E no fim estávamos sempre falando daquilo que sonhávamos. E eram tantos os sonhos... Falávamos de tudo, menos da gente. Porque “a gente” não existia assim junto. Só separado. Uma gente aqui, outra aí. Mas eu fantasiava, viu? Até o dia em que o assunto acabou uns cinco pontos antes da sua casa. Eu, sem saber o que fazer, fingi dormir. Encostada na janela, o ônibus chacoalhava e seu braço tocava o meu. Sentia que me olhava. Perto do seu ponto, você levantou. E quando eu achava que já tinha ido, você voltou. Reclinado, afastou meus cabelos e me deu um beijo demorado e de levinho no rosto. Senti a pele arrepiar e o coração bater tão forte que tive medo que você ouvisse. E fui embora ter insônia na minha cama.

Quando te escrevi aquela carta, quis contar que me lembrava disso. Mas falei sobre a distância, sobre os caminhos diversos que escolhemos e enchi o papel com tantas amenidades, que não sobrou espaço para a intimidade. O envelope foi embora pesado de tanta letra desnecessária, quando o que queria mesmo era contar que me lembrava daquela noite no ônibus. Disse tudo, menos o que realmente queria.

Você estava tão longe que mesmo que eu olhasse no mapa que usávamos na escola, o espaço que separava minha casa da sua seria enorme. Se no livro, uns tantos centímetros, imagina em estrada mesmo. Dias. “Ainda bem que a carta vai voando”, pensei. E junto com ela, mandei o CD que você gostava.

Na fila do correio, imaginava sua reação ao me ler e ouvir as músicas que iam junto com aquelas palavras. Surpresa então, fiquei com a ausência de resposta. Nada. Não veio uma carta. Não veio um bilhete. Não veio um telegrama. Não veio um DDD. Simplesmente não veio nada. Sufocada com tanta falta e com o silêncio, cansei de esperar pelo carteiro. E fiz o que sempre fazia. Esperei melhorar um pouco e te liguei. Feliz (feliz?) você disse ter adorado o CD. E contou que ouviu no estrangeiro e sempre se lembrava de mim.

E a carta? Eu pensava. Sobre a carta, nada. Sobre a carta, silêncio.

Naqueles tempos ansiosos de tanta distância e de mensagens que viajavam de avião, eu minguava esperando por resposta. Hoje, mal lembro da minha letra de mão, mas não perdi essa mania boba. Uso a palavra escrita para falar o que sinto. Nos dias em que tudo é digital, a carta virou e-mail e vai num click.

Mas o mundo não perdeu essa mania boba de me fazer esperar. Com a desvantagem que agora esperar começa mais rápido.

Espero que você esteja bem. E, desta vez, não espero uma resposta.
Um beijo. De leve.
Eu.
P.S.: Devolve o CD. Meu endereço continua o mesmo.

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