quinta-feira, 9 de abril de 2009

É mais inteligente o livro ou a sabedoria?

_ Olha o que eu escrevi, professora. – disse Dona “Márcia” me mostrando orgulhosa sua primeira palavra no até então, virgem caderno.

Dançando na folha pautada, as letras maiúsculas meio tortas e escritas a lápis anunciavam: “TARA”.

_ Olha só, hein Dona Márcia! A senhora escreveu mesmo! – disse um pouco desconcertada e torcendo para que a minha aluna mais doce e também a mais velha, com seus 78 anos, não me perguntasse o que aquilo significava.

_ E eu sei escrever isso também – disse-me enquanto rabiscava com alguma dificuldade, um ponto de exclamação ao final da sua Tara.
_ Vi na TV.

Na “Rede TV!” imaginei, desejando dizer que escolhesse melhor o que fazer com seu tempo livre. Mas logo desisti do conselho porque não saberia o que sugerir a ela que sorria encantada ao olhar para o caderno.

Dona Márcia, na verdade se chamava Maria. Ganhou o apelido porque na família eram muitas marias. O Márcia lhe garantia uma diferenciação e exclusividade em meio à parentada.

A divertida senhora tinha uma alegria que eu, honestamente, jamais tinha presenciado. Com o otimismo de quem projeta futuro e vida longa, decidira se alfabetizar quase aos 80. “Porque agora sobrou tempo”, explicou.

Sua histórias encantavam as noites naquela sala de Alfabetização de Adultos. Nós, Jonathas e eu, os “professores” e todos os outos alunos adorávamos ouvi-la. Baixinha, nem muito magra ou gorda, com seus grisalhos e ondulados cabelos displicentemente presos num rabo de cavalo, Dona Márcia sempre chegava para a aula usando saias e blusas muito coloridas que comprava na feira de domingo ou ganhava de alguém.

Junto com ela, vinha sempre aquele brilho e a alegria que, para muitos, era inexplicável. Era pobre. Muito pobre. E praticamente solitária. Perdera o primeiro filho ainda na gestação porque o marido lhe chutara durante uma briga. Os outros, moravam longe, nunca a visitavam e praticamente não davam notícia. Sua ingenuidade rendia histórias incríveis que ela contava com uma naturalidade rara e invejável. E, por mais triste e dura que fosse a realidade, ela sempre encontrava o lado bom em tudo.

_ Gosto tanto do menino do açougue.
_ Eita, Dona Márcia!! Já tá de olho em outro, né? – brincava com a paqueradora senhora.
_ Não, Dã. – respondia rindo muito _ Gosto dele porque ele nunca liga de me dar alguma coisa. Ontem fiz uma sopa de osso. Hummm.

Sim. De osso. O “menino do açougue” era mesmo muito bonzinho e quando ela ia pedir algo para jantar, ele lhe dava os ossos que, se não fossem para o prato da minha aluna, iriam para algum cachorro ou para o lixo mesmo.

Teve também aquela noite em que falávamos sobre eleições. Era véspera da votação e estavam todos ansiosos porque iriam, pela primeira vez, assinar o nome ao invés de usar a constrangedora almofada de carimbo. E lá vinha Dona Mária com uma das suas:

_ Ah, eu sempre voto! Tem um menino lá tão legal, Dã. Ele sempre me diz direitinho que número eu tenho que apertar. Ele me ensinou e eu vou lá e aperto o 1, depois o 1 de novo.
_ E em quem a senhora votou, Dona Márcia? – perguntei, me corroendo.
_ Ai, não sei, mas ele disse que o candidato é o melhor. – me dizia feliz e dando sua característica piscadinha.

Mas o dia em que fiquei realmente tocada, foi quando, no meio da aula, ela disse que precisava falar comigo. “Preciso de um conselho”, cochichou enigmática.

Quando todos foram embora, eu, confesso, ansiosa por uma de suas histórias incríveis que seria contada exclusivamente para mim, me aproximei, sentei ao seu lado e disse:

_ E então, querida, qual é o problema?
_ Dã, é o meu namorado.
_ Sei. O que tem ele? – disse tentando disfarçar o espanto. Ela, quase uma octogenária, estava me pedindo conselhos sentimentais. Justo para mim, uma “analfabeta” no assunto.
_ É que eu não sei se vai dar certo. Ele é muito novo. Tem “só” 66.
_ Ahhhh, Dona Márcia. É isso? Imagina! Se a senhora gosta dele, isso não é um problema. Ele é legal?
_ É sim, Dã. Gosta de mim, trabalha, é bonzinho, me dá cada beijo! Hum. – respondeu com aquele olhar meio sacana que contrastava com sua figura tão ingênua e me fazendo entender que nós mulheres, queremos as mesmas coisas. E para sempre!
_ Viu?! Não precisa se preocupar com a idade.
_ É né? Então tá, vou falar para ele que ele pode vir morar na minha casa. Assim ele economiza no aluguel e me ajuda.

Fui embora surpresa e me divertindo com mais essa novidade da Dona Márcia. O namorado estava indo morar com ela. Quem diria.

O tempo passou, eu tive que deixar a alfabetização, mas ainda a encontrava de vez em quando com aquele sorriso e com aquelas histórias deliciosas.

Dona Márcia já ia às aulas há quase dois anos quando soube que ela estava doente. Dias depois quando a encontrei, ela não sorria. Foi a primeira vez que eu a vi triste.

_ Ei!! Que carinha é essa? Fiquei sabendo que a senhora não anda muito bem. O que aconteceu?
_ Ah, Dã. É o meu namorado. Peguei o filho da puta com outra. - nervosa ela falava palavrão, constatei.
_ Jura? Mas por isso a senhora ficou doente?
_ Ah, filha, eu fico muito brava. Ele veio morar na minha casa, né? E faz um negócio desses? Não tá certo, viu? Não tá!
_ É. A senhora tem razão, mas não pode ficar doente por causa de homem!, - disse, como se eu mesma nunca tivesse tido uma febre ou dor de barriga pelo mesmo motivo.
_ Dã, passa lá em casa. Tenho uma blusa minha que eu quero te dar.
_ Tá bom, querida. Se cuida, hein? - e a beijei desconfiando se sua blusa da feira me cairia bem
_ É. Eu vou ficar boa. - respondeu com um sorrizinho agora bem tímido ao contrário daqueles enormes que exibia normalmente.

Mas ela não ficou bem. Dona Márcia morreu de enfarto no chuveiro alguns dias depois. O namorado traidor a encontrou nua e caída no banheiro.

Eu nunca fui buscar a blusa. E me arrependo tanto... Ainda que ficasse enorme e o modelo não me agradasse, teria passado mais uns minutinhos com uma das mulheres mais surpreendentes que já conheci. E ela, sem saber, me ensinou muito mais do que eu, que não consegui lhe passar quase nada além daquele “TARA!” que inaugurou seu caderno. Não que ela não aprendesse. Ela era sim, muito sábia. Mas não sabia.


Pensei em escrever sobre a Dona Márcia depois de ver O Leitor há alguns dias. Só estava me preparando. Lembrar dela, dá muita saudade. Mas, enfim. Vejam o filme.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Pequenos Dramas, ou Porquê eu Faço Terapia

Um amor de mãe
Passando rapidamente pela sala, ouço a tia.
_ A Dani está tão bonita... Estava reparando outro dia.
_ Quem? - pergunta minha mãe.
_ A Dani.
Silêncio.
_ Hum, mas qual Dani?
_ Ué! A Dani!
_ A “minha”?!?!
Silêncio!!
_ Claro!
_ Ah.
_ É MÃE! EEEUUU, SUA FILHA, PELAMORDEDEUS! disse "delicadamente", enquanto me retirava pensando em suicídio.

***

O Karma
Tinha 12 anos. Gostava do Rogério S. e quase “morri” quando ele ligou convidando para ver Rambo III no fim de semana.
_ Xi, minha mãe não vai deixar.
_ Então tá. A gente se vê na escola.
Na tão esperada hora do recreio daquela segunda feira, escondi minha Ana Maria de chocolate quando o vi se aproximando com a Tereza M. que sorria.
_ Dani, se você não ficar chateada, eu quero namorar com a Tereza.
_ E-e-e-e-e-uuu chateada? Imagina, né? Por que ficaria?
Eles se afastaram e eu pensei:
_ Idiota! Azar o dela que teve que assistir Rambo III.
E comi meu bolinho. So-zi-nha! :)

***

Tantas primaveras
No metrô ria tanto que uma senhora fez menção de levantar e me oferecer seu banco cinza. Deve ter pensado que eu passava mal.
Passava, é verdade. De tanto rir. O que é bom.
Lá pelo quarto ou quinto capítulo de “Tia Julia e o escrevinhador” a vontade que dá é cancelar a agenda e devorar as páginas divertidíssimas de Mario Vargas Llosa.
_ É. Tratamento de canal. Urgente... auhauhau – eu diria na firma.
_ E ri tanto desse jeito quando está com dor?
_ hauHAUhau É de nervoso. De nervoso... Huhuhuamhampft...
Desisto de mentir e curto a ansiedade de reencontrar aqueles personagens malucos no rush, logo mais à noitinha.
Mas de repente, meu humor não é mais o mesmo!
O tal do escrevinhador estava afim da tal da tia. Ela, porém, além de preocupada com o parentesco (por afinidade, é bom que se diga), achava também que não tinha mais idade para se envolver com um “menino”.
Lá pelas tantas, ela diz:
“_ E o que sou eu, então, que tenho 32 (...) ? - Uma velha decrépita!”
Humpft, pensei eu, louca por um dicionário. Não sei o que é decrépita, mas não soa nada bem.

Antes de encerrar, só gostaria de registrar: Mãe, você é legal.
Ela é legal, gente. Juro

sexta-feira, 20 de março de 2009

É ruim, mas poderia ser pior

Atire um jiló quem nunca sentiu inveja. Assim como dizem sobre o impopular legume - confesso que nunca comi -, esse é um sentimento muito amargo. Porém, ao contrário daquele troço verde, a inveja já foi sim provada por, possivelmente, todos os mortais.

Você, mulher, pode ser até uma pessoa super do bem, mas duvido que não tenha um minutinho que seja de inveja, por exemplo, da Angelina Jolie. Pode ser da boca dela, do corpaço dela, da conta bancária dela, da carreia bem sucedida dela. Ou, é claro, do MARIDO dela!

E você, rapaz que me lê, muito provavelmente, poderia invejar o Brad Pitt pelos mesmos atributos. Ele é lindo, tem fama, dinheiro e a Angelina.

Mas então, você está aí na sua vida e sempre falta alguma coisa. Sem-pre! Se não estiver faltando mesmo, a gente procura. E, muitas vezes, a gente vê em outra pessoa aquilo que não tem. Até a Angelina, de vez em quando, fica carente de mais um filho, por exemplo. E vai lá em algum país subdesenvolvido e pronto. Problema resolvido.

Só que você, pessoa comum, pode sentir falta de coisas, digamos, mais simples. Ou melhor, sem eufemismos, ok? Não estou aqui falando só de ausência, o papo é mesmo sobre inveja. Você pode me falar sobre a invejinha boa ou inveja (que horror!) branca. Estes são os nomes que se usa para que o seu sentimento pareça mais bonzinho. Afinal, você é do bem. Temos mesmo o hábito de amenizar as coisas quando se trata do nosso umbiguinho lindo. Por outro lado se é o vizinho que te trucida com os olhos quando você chega em casa de carro novo, então ele é um maldito invejoso e que queime no inferno.

Ok, sejamos legais conosco e vamos usar “invejinha” para falar de pessoas boas como a gente.
Aí, minha amiga – não eu, claro – ela, a minha amiga anda meio carente. Tem um tempo que não namora, que não recebe um chamego bem feito e nem mesmo uma declaração de amor dessas super hiper mega bregas, mas que a gente adora. Ops, a gente não. Ela, ela!

Então, era uma daquelas cenas bem normais e morninhas do dia a dia, até que ela viu o casal. Do outro lado da rua e abraçados eles pareciam felizes. Ela meio baixinha e gordinha. Ele, mais alto um pouco, com um cabelo (péssimo) com luzes*, mas enfim o foco estava naquela felicidade escancarada. Foi aí que minha amiga sentiu a invejinha.

Não formavam um casal exatamente bonito, mas pareciam apaixonados. Olhavam-se com carinho, abraçavam-se o tempo todo e se beijavam. Muito e ali no meio da rua. Disso, minha amiga nem teve tanta invejinha assim. Ela acha que tem coisas que pegam meio mal e teve certeza disso, quando o moço, provalmente esquecendo o significado do termo “lugares públicos”, colocou, ou melhor, enfiou a mão na retaguarda da namorada.

Já torcendo o nariz e achando a cena, antes bucólica, agora bem de mau gosto, minha amiga começava a mandar para bem longe a invejinha que sentiu cinco minutos antes. Foi quando aconteceu o inesperado! Ela jura que chegou até a pensar em procurar um padre para se confessar pela inveja e garante que nunca, jamais, nem mesmo se visse o casal “Brangelina” em situação semelhante, quer voltar a sentir aquilo novamente.

Explico. Ou melhor, minha amiga me explicou e eu conto aqui. Depois da mão naquilo, o moço, cheirou a própria axila esquerda e pareceu perguntar: “amor, eu estou fedendo?” e ofereceu seu suvaco (palavra horrorosa, eu sei) para mocinha, que sorria enquanto inalava os odores do seu amado. Depois disso, minha amiga não se lembra mais de nada. Acho que desmaiou.

Moral da história: a inveja, como diriam os filósofos, é uma merda. Se precisa de amargor na sua vida, escolha o jiló.

*Meninos, NUNCA façam um negócio desses. Evitem até a morte tingir, mas nem sob tortura façam luzes! A gente até que gosta de grisalhos, pô! Mas achamos ridículo homem de cabelo tingido.