quarta-feira, 12 de abril de 2006

Seu Jorge do Elevado

Se estou atrasada, se quero ficar mais um pouquinho na cama, ou se tenho preguiça, venho de carro. Ônibus é até melhor. Posso ler, pensar na vida ou não pensar em nada. E é mais barato.

Mas foi num dia dos que resolvo vir de carro, que o vi pela primeira vez! Ele - o Seu Jorge do Elevado. No rádio, ouvia o outro Seu Jorge. E ao som de Tive Razão, foi inevitável a comparação! A mesma cor, o mesmo cavanhaque e os mesmo dreads. Claro que no caso do Seu Jorge do Elevado, tanto barba como cabelo, não estavam cuidadosamente desalinhados como do Seu Jorge famoso. Estavam simplesmente desalinhados. Uma bagunça mesmo...

Inevitável também foi pensar que estivesse eu, anos atrás confortavelmente instalada no meu carro e andando por alguma avenida do Rio de Janeiro – e não o Elevado, claro – aquele poderia sim ser o outro Seu Jorge. O cara já viveu na rua e dada à tamanha notoriedade que ele ganhou nos últimos tempos, isso até a minha mãe já deve saber.

Bom, o fato é que por muitos dias, eu torcia pra encontrar o Seu Jorge do Elevado no Elevado. Colocava o CD do sósia dele pra tocar e ficava esperando. "Será que hoje eu o encontro antes ou depois da saída pro Arouche? Ou será ali pertinho da Consolação?", era só o que eu pensava. Porque não tinha jeito. Eu o encontraria! Sempre que vinha de carro, ele estava no meu caminho.

Então, obviamente sem ter a menor noção disso, ele me distraía. Eu ouvia o outro, esperava por encontrá-lo em meio ao trânsito, barulho e cheiro típicos do mal falado viaduto enquanto esperava por vê-lo.

Outro dia então, dirigia na Radial voltando da zona Leste e lá estava ele! Perto do Tatuapé. Há vários quilômetros do Elevado. E adivinha? No CD eu ouvia, claro, Seu Jorge… O outro. E então, virou praticamente uma obsessão. Eu achava que brincava com o destino. Saía de casa sentido Elevado, que é meu caminho obrigatório para o trabalho ou pra casa da minha mãe, e já preparava o CD que pra mim, abria uma espécie de portal místico e, de um jeito ou de outro, aqui perto no Elevado ou lá longe na Radial, ele apareceria.

Até que um dia, do nada, mesmo com todos o ritual cumprido à risca, não o encontrei mais. E por dias, dias e dias, foi assim… Até parei de trazer meu CD do outro.

Mas o fato é que ontem vim de carro. Estava atrasada, com sono, preguiça e vindo já com vontade de voltar. Portanto, seria bom não depender do transporte coletivo, que demora e acho que esta é a maior desvantagem em relação ao carro.

Entrei no Elevado completamente parado, já sem tanta animação como antes. De repente, lá estava ele! Cor, cabelos e barba inconfundíveis, mas um sorriso até então nunca visto. Mesmo lhe faltando alguns dentes, e realmente não deve ser fácil fazer a higiene bucal morando nas ruas, ele parecia radiante. “Vai ver estava em turnê na Europa”, pensei.

E eu fiquei feliz. Já tinha me acostumado a ver aquela figura. Não que eu comemore quando encontro um morador de rua. Na verdade, lamento. Mas vê-lo era, além de divertido, também intrigante. "O que será que faz um homem jovem e certamente saudável, andar pelo Elevado, Minhocão e Radial, aparentemente de ponta à ponta?". Pensava também, se ele já tinha ouvido falar no outro, ou se já teria sido comparado ao Seu Jorge famoso.

Meus últimos minutos de trânsito ontem foram, portanto, muito mais interessantes. E, como que para compensar a longa ausência e lamentando a falta do CD do outro esquecido lá em casa, comecei a cantarolar as músicas que tanto gosto e a encontrar nelas coincidências e a trilha sonora ideal pra tudo aquilo.

Primeiro, só o vi porque a ponte engarrafou. Depois, foi inevitável lembrar que tem um Brasil que é próspero, outro que não muda. O próspero era aquele e que vivem os executivos e trabalhadores, passando por ele em seus carros, e o que não muda era o dele. Ainda desalinhado e na rua.

Pensei também se, em algum momento, não estaria ele se sentindo como naqueles versos do Seu Jorge famoso: se eu pudesse eu dava um toque em meu destino. Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão. Se eu pudesse eu não seria um problema social.

Mas, vai saber o que se passa na cabeça dele, né? De repente, estou aqui fantasiando um monte sobre tudo isso e ele é o maior fã do Seu Jorge. Podem ser até irmãos! Gêmeos, é claro! Ou vai ver se conheceram na rua, antes do famoso fazer carreira na Europa! Opa!! Isso tudo sim é fantasia.

Mas o que eu acho, é que ele do canteiro do Elevado e eu do meu carro, sabemos exatamente que tem um Brasil que é lindo e outro que fede. Agora, diferenciar qual é qual, depende do ponto de vista...

É! Quem sabe um dia, só reste o lindo, hein? Demorô, né não? Mas com certeza, vai ser melhor...

(Os trechos em itálico são tirados de músicas do Seu Jorge... O outro)

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi Da,

Vê se escreve sempre. Seus textos são sempre ótimos.

Bjo

Anônimo disse...

Hahahahahahahaha!!! Meu, entrei por acaso no seu blog e AMEI! Muito bons seus textos!

Não deixa de escrever que eu vou passar a freqüentar essas bandas... :o )

E se vc puder, no meu tb... O link tá no meu nome.

Bjos!

Dani Marques disse...

Oi Tico,

Vou tentar, ok? Dependo só da inspiração que às vezes falta...

Guilherme,

Que bom que você gostou e se divertiu. Acho que a gente escreve pra isso, né? divertir-se e aos outros também... Volte sempre! E estou indo agora mesmo no seu blog.

Beijos

Anônimo disse...

Oi Dani!
Obrigadissima por visitar meu blog e pelo comentario!
Ainda estou começando... eu escrevia bastante há uns tempos atrás e por vários motivos, parei... entao ainda estou um pouco enferrujadinha =o)...
Mas, enfim, amei seus textos e vou passar sempre por aqui.
Beijao! =o***

Zagaia disse...

Que texto ANIMAL!! Agora, que eu acho que os seus caminhos e dos SEUS JORGES andam se cruzando muito, ahhh isso eu acho! Já pensou em parar o moço na rua? Acho qua a conversa pode render outro post! bjo

Renata Marques disse...

Dã,

Amei a idéia do texto. O comparativo foi divertido, mas ao mesmo tempo ajudou a pensar. Eu aqui fiquei pensando em destino. 2 caras, 2 mundos parecido, 2 destinos tão diferentes. O Seu Jorge famoso deu a volta por cima e agora tá aí, com tudo. O Seu Jorge do Elevado continua lá, sem rumo certo, vivendo um dia por vez. Por que isso? O que um fez que o outro não fez, o que um merece e o outro não.

Como disse o Julis, acho que um dia vc deveria falar com Seu Jorge do Elevado. Acho que iria render uma ótima história.

Xau, filha.

Bjos.

Dani Marques disse...

Ju e Rê,

Realmente se eu o parasse, teria um encontro que renderia uma ótima história. Fico intrigadíssima por saber o que ele faz andando tanto... Quem sabe um dia, o trânsito esteja totalmente congestionado e eu, de fato, consiga conhecê-lo, né?

Rê, realmente é difícil entender esse lance de destino, ou sei lá que nome se dá a isso. Mas com certeza, intriga ver pessoas tão parecidas fisicamente e com semelhanças em suas histórias de vida, mas perceber que enquanto um deles faz filme em hollywood, show em Paris e sai na capa da Vogue, o outro, continua lá, andando sobre o Elevado...

Mas sabe-se lá quem é mais feliz, né? E sabe-se lá, qual o sentido disso...

É difícil abrir mão de nosso juízo de valores extremamente capitalista e materialista, mas enfim... Sabe-se lá!

Bjo