sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Como eu fui parar no fundão

E aí eu tinha oito anos. E nada de muito espetacular acontecia na minha vida. Na época, tudo parecia uma aventura, mas resumindo drasticamente, meu dia era da cama pra escola, da escola pra frente da TV, da TV pro quintal, do quintal pra beira da saia da minha mãe, chorando depois de brigar com um dos meus irmãos. Do choro era direto pro banho, do banho pra mesa do jantar e dali pra cama de novo.

Mas naquele dia, algo de novo iria acontecer que mudaria o meu destino! Minha mãe, como fazia todo dia, nos tirou da cama bem cedinho. A gente colocava o uniforme azul marinho e seguia o ritual de escovar os dentes, lavar o rosto, pentear o cabelo, pegar a mochila e colocar o lanche e o suco na lancheira. Aliás, a minha era uma coisa! De couro marrom, meio hippie. Um luxo! Mas quando o suco derramava, o cheiro de vaca molhada era insuportável! Opa, mas eu estou aqui pra falar do primeiro dia do resto da minha vida.

Bom, todos prontos, arrumadinhos, cheirosos, lá fomos nós. Depois de uma rápida briga pra decidir quem iria sentar no banco da frente, andávamos menos de três quilômetros ao som de "vambora, vambora, olha a hora, olha a hora, vamboooraaa". Na porta da escola era aquela alegria. Encontrávamos nossos amiguinhos como se tivéssemos passado anos no Nepal. E tínhamos tanta coisa pra contar! Isso porque o dia era como eu descrevi agora a pouco, hein?

Mas como sempre, no melhor da conversa, em que provavelmente eu comentava com alguma amiga sobre o desenho do Pica-pau do dia anterior, ou então, negociava meus papéis de carta trocando dois da Moranguinho por um dos Ursinhos Carinhosos, a coqueluche do momento, o sinal tocava. E na escola das irmãs, isso significava exatamente uma freira de bege batendo um sininho irritante pelos corredores e ordenando que entrássemos nas nossas salas.

Sentada, numa das primeiras carteiras bem de frente da "tia", eu abria minha toalhinha de plástico quadriculado, pegava meu estojo com canetas e lápis de 127 cores diferentes quando, de repente, aconteceu! Naquele momento marcado para sempre na minha memória, a professora até então atarantada procurando por algo em sua gaveta, armário, gaveta de novo, depois a bolsa, me chama pelo nome. Nome duplo, aliás!

E me pede que eu vá até a sala dos professores buscar sua caixinha de giz que havia esquecido. Eu, atônita, no primeiro momento fiquei até vermelha de tanta vergonha. Eu era uma criança patologicamente tímida. Mas depois, fiquei extremamente excitada com a idéia de entrar no reduto deles, meus grandes ídolos até então - os professores.

Para chegar na tão misteriosa e até intimidadora sala, tinha que andar alguns metros e descer dois lances de escada. Coisa de dois minutos. Mas naquele momento, o trajeto parecia pra mim, ter uns dezoito quilômetros. Lembro que andava como se minhas pernas tivessem cinco metros de comprimento e pesassem oito toneladas, tamanha a emoção.

Chegando no recinto, até então, proibido, bati e entrei, conforme a orientação pregada na porta. Lá dentro, só uma professora de Desenho Geométrico, que eu só encontraria de novo lá pela sétima série. Simpática, me indicou o armário da sua colega e pegou pra mim a caixinha de giz que eu não alcançava.

Lá fui, orgulhosa pela honra de ajudar a professora. Me concentrei porque tinha novamente os dezoito quilômetros pela frente e teria que carregar minhas enormes e pesadas pernas. Coração a mil, mãos suando, nada poderia dar errado... Mas deu!

Estava a alguns centímetros da porta da minha sala, imaginando a professora sorrindo e esperando pelo giz para que pudesse dar início à aula e assim, tranqüilizar aqueles jovens demônios, quando do nada, ou como fruto da inveja da Kelly Gomes que já me odiava aos oito anos, eu tropecei na minha própria perna e despenquei bem na frente da sala de aula.

Com o estrondo, a algazarra dos meus colegas parou e, em meio segundo a professora apareceu na porta me encarando com olhos que mais pareciam dois holofotes me denunciando. Eu, de joelhos após testemunhar o fim da tal caixinha e vendo os trezentos pedacinhos de gizes (palavra feeeia!) brancos, amarelos, cor de rosa e laranjas, mal tinha coragem de olhar pra cima.

A tal professora, tão pouco gentil e solidária com a dor que e sentia na alma maior do que a causada pelos hematomas nos joelhos, nem me ajudou a levantar. Ficou mais preocupada em juntar o que sobrou de sua ferramenta de trabalho e entrou na sala sem sequer me agradecer. Tudo bem que seria hipocrisia, mas eu precisava de apoio, ok?

Humilhada, entrei na sala da aula olhando pro chão, mas ainda assim percebendo os sorrisinhos sarcásticos daqueles carrascos infanto-juvenis. No dia seguinte, talvez numa tentativa de me tornar invisível, sentei lá atrás, colada na parede e perto dos piores elementos da terceira série B. Por uns dias, doeu. Mas depois, até gostei. Maus elementos eram muito mais divertidos do que aquelas meninas chatinhas que sentam na frente, e que não passam de verdadeiras puxa-sacos ansiosas por um dia irem à sala dos professores buscar uma caixinha de giz.

13 comentários:

Anônimo disse...

Ai Dani, rs...
Como tem momentos da nossa infância que marca demais!
Eu já passei por diversas situações, com professores então, rs...
Mas qdo vc disse da turma do "fundão", adoreiiiii !!!
Sabe que sempre fiz parte da turma do "fundão", Nem tenho como negar, rs...
Que tempo bom!!
Adorei Dan,
bjs da sua fã

Dani Marques disse...

Dan,
Era tão bom quando nossos maiores problemas se limitavam à prova de matemática, ou fazer um trabalho de ciências, né??
Que saudade!!! hehehe
Bjos, da sua fã também!

Ana Téjo disse...

Ei, Dani!
Olha eu aqui! Só não sei se vou voltar porque eu não acho "de bom tom" andar com essas meninas "do fundão", sabe?
Ótimo post.
Beijo,
JU...

Renata Marques disse...

Ai, depois que vc escreveu lembrei desse dia. Vc chorooooooou muito contando pra mãe.

Tadinha! rs

Que professora diaba!!

Bjos.

Zagaia disse...

EU SEMPRE FUI DA GALERA DO FUNDÃO! Falsificava assinatura dos meus pais em prova, zoava com quem, usava aparelho nas costas, cabulava aula pra ir aprender a fumar no cemitério. Posso até ter feito algumas coisas das quais me arrependo mas andar com essa galera me ajudou muito. Com certeza eu iria odiar a Kelly Gomes se estudasse na sua classe!

Bjo

Dani Marques disse...

Ju Geve,

Que bom "te ver" aqui :)
Olha, eu frequentei o fundão por muito tempo, mas posso garantir que sou uma menina de família!!

Bjos e seja bem vinda

Dani Marques disse...

Rê,

Euuuu chorando?!?!? Imagina, nunca fui chorona!! hehehe
E a professora era uma tonta mesmo, tanto q deletei o nome, a cara... Dela, só lembro desse dia infeliz...

Bjo

Dani Marques disse...

Zagaia!!

Zoar com quem usava aparelho nas costas!!!! hahahahah! Vc era um capeta!!
Eu tbem ia mto pro cemitério qdo era criança... Mas não pra fumar, pq este vício nunca me pegou... Eu ia pra comer amora! Ai que delícia!
Qto a Kelly Gomes, pra vc ter idéia a que ponto essa história chegou, anos depois a gente "saiu na mão"... Foram só uns tapinhas trocados, mas pra mim que sou da paz, foi algo inédito!

Bjos

Renata Amaral disse...

Gostei...

tem umas coisas da escola que eu detesto de lembrar até hoje. Principalmente porque fiz a minha primeira série inteira em sala trocada (por algum motivo meu cérebro apagou o nome e sala da professora e eu entrei numa outra fila)...

bjos

Thales disse...

Dani, obrigado a visita. Vou olhar o Tarja Preta assim que possível.

A minha transição para o fundão se deu mais tarde, por motivos menos traumáticos, mas de modo igualmente irrecuperável.

Anônimo disse...

Oi Dani, tudo bem?
Olha, agora eu também tenho um "brog":

http://histmin.blogspot.com/

Dá uma lida na histórinha que eu postei lá.

Bjs

Zagaia disse...

Dani!! Eu te escolhi! Vamos ver se assim vc volta a ativa!
"Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs aviso do recrutamento. Ademais, cada participante deve reproduzir este regulamento no seu blog."
bjo

Anônimo disse...

Gostei das lembranças...
Também tenho poucas e boas...risos. Toda vez que reunimos os "beterrabas" como eramos chamados pelas outras escolas (por causa do uniforme cor de beterraba), numca aceitamos, mas agora nos reencontros resolvemos assumir essa "tradição" que vem desde os nossos pais, cada um com histórias bobas, ridiculas e muito, mas muito divertida. Quanto a tal Kelly Gomes, tenho uma amiga com esse nome e não parece com a tal. Sempre haverá desavenças, confusões, problemas com colegas de sala, trabalho...depois rimos de tudo...Quanta bobeira na hora!!!!

Beijos Erika