quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Minha Vida de Artista

Devia ter uns cinco. No máximo, seis. Como toda menina, sonhava ser bailarina. Minha mãe, orgulhosa, fez a matrícula. E lá ia eu. Tudo cor-de-rosa, do colant de elanca à meia-calça, passando pelas sapatilhas amarradas ao tornozelo com um laço de cetim. Cabelos devidamente presos num coque torturante ensaiava meus primeiros pas de deux.

O ápice da recém iniciada carreira seria a festa de final de ano. Numa das aulas em que montava a coreografia, nossa instrutora quebrava a cabeça tentando planejar o grand finale. Eu, na época dona de veia artística e habilidade pra dançar que se perderam num momento indefinido em algum dos anos que se seguiram, sugeri algo. Talvez sem idéia melhor, a professora concordou.

Abriria um espacate e, com os braços estendidos, outras duas garotas com uma das mãos, segurariam na minha e, com a outra, ergueriam a perna. É brega, mas éramos crianças e nossos pais e avós achariam lindo. De fato, aquela tarde foi gloriosa. Além da apresentação emocionante - considerando que emoção quando se tem seis anos tem um significado bem menos complexo -, eu ganhei meu primeiro livro. O peixinho dourado vai passear, era uma espécie de Nemo pré-histórico. Lindo, mas isso eu conto outro dia.

Só hoje, pensando nisso, percebo que este foi o mais bem sucedido evento nas minhas frustradas tentativas de ser artista. Anos mais tarde, já na quarta-série do colégio de freiras onde estudei quase a vida toda, um acontecimento na aula de religião me marcaria para sempre.

No palco do salão nobre, pra dezenas de pessoas, encenaríamos o momento em que o anjo Gabriel avisa Maria que ela daria à luz a um menino. Naquela época, nem estranhei o único caso de concepção sem o ato em si que se tem registro. Não sabia mesmo como se fazia "aquilo" e, portanto, o Espírito Santo era uma explicação bastante convincente.

Bom, devido mais aos meus dotes físicos – leia-se cabelos encaracolados – do que a qualquer outro motivo, fui escalada pra ser o tal anjo. Minha função era bastante simples. Chegaria pra minha amiga, ali travestida de Nossa Senhora e, lhe faria o anúncio. O texto era o mesmo da oração Ave Maria. Muito tranqüilo pra quem, àquela altura, e muitas aulas de religião depois, já se acostumara a rezar quase que por qualquer motivo.

Eu, na minha túnica de cetim branco, e com uma auréola de flores, responsável por dar mais veracidade ao meu personagem, fui lá e fiz o que tinha que ser feito. "Ave Maria, cheia de graça, blá, blá, blá...". Terminada a minha cena, me retiraria, obviamente de maneira angelical.

Dei três ou quatro passos e, quando tudo parecia muito perto de terminar, a cordinha que servia pra abrir a cortina do palco, surgiu do nada e se enroscou nos meus dois pés ao mesmo tempo. Ajoelhei! E não rezei! Despenquei mesmo. Ouço aquele barulho que fiz quando encontrei o chão de madeira até hoje!

Morta de vergonha, roxa e quase tendo um enfarte antes dos dez, saí engatinhando! Sim! O que já estava terrível ficou ainda pior. Mas foi automático. Não poderia me imaginar olhando a cara das pessoas que da platéia, se matavam de tanto rir. O mais triste foi chegar daquele jeito na coxia e ver a cara de espanto das minhas "colegas de trabalho". E ainda tive que ouvir da mais caxias de todas que tiramos nota 9,0 e não 10,0 por causa do meu tombo... Ah!! Se liga, né minha filha! Teria dito se não estivesse chorando.

Anos mais tarde, supostamente recuperada daquela cena ridícula, estava eu assistindo Confissões de Adolescente no Teatro Augusta, quando, no final da peça, a protagonista Gabriela Duarte, avisou que quem quisesse poderia participar de aulas abertas de teatro. Eu logo me animei. Dias depois, lá estava eu no palco, fingindo estar dentro de um pote de mousse num exercício que até hoje tento entender o significado.

O fato é que, sei lá por que, devo ter me saído bem nadando no mousse e também em outras simulações igualmente bizarras que o diretor nos passava. Um dia, no final da aula, ele disse que iria montar uma continuação de Confissões e queria que algumas de nós – eu incluída – participássemos. Fiquei me sentindo! Achando que em pouco tempo, estaria na novela das oito. Ou, melhor ainda, na cerimônia do Oscar, ao lado do meu maior ídolo de então, Tom Cruise. Sim, sim... Eu era muito modesta.

Mas como tudo tem seu preço, as aulas "gratuitas" e a chance de me tornar uma estrela, me custariam horas debaixo do Sol distribuindo folhetos de outra peça do tal diretor. No começo, achava que o sacrifício seria recompensado quando estivesse de mãos dadas com o Tom (já estaríamos íntimos). O problema é que o diretor/explorador começou também a se mostrar meio maluco e, do nada, sumiu do mapa. Meu pai, que já tinha alertado que o cara estava mais pra pedófilo do que pra um diretor de verdade, soltou, um sonoro "eu te avisei".

E foi assim, que aos 16 desisti totalmente de ser uma celebridade. A não ser por uma ou outra tentativa de enfrentar um palco devidamente embriagada e munida de um microfone. No fundo, no fundo, nunca quis mesmo ser uma bailarina ou atriz. Deve ser por isso que nunca deu certo! Era o destino tentando me alertar, minha gente! Ah-haa! Só pode ser isso! Na verdade, sempre quis mesmo é ser cantora... Talvez essa história de trauma de palco seja besteira... E lá no meu íntimo, pode ser que o que eu queira mesmo é reviver aquele momento de glória no palco do pré. Só garanto que da próxima vez que isso acontecer, vou prestar muita atenção onde eu piso!

(Resolvi escrever este texto ontem, voltando do Centro Cultural Vergueiro. Fui assistir "O que você foi quando era criança?". O autor, Lourenço Mutarelli, um desenhista incrível, escreveu esta peça magnífica e concorre ao Prêmio Shell. Vale a pena ver o Lourenço no teatro, ler seus famosos quadrinhos ou seu romance "O Cheiro do Ralo", que em breve estará nos cinemas. Seu estilo inconfundível e quase sufocante, não deixa ninguém imune... Alerto, entretanto, que meu texto foi inspirado apenas na pergunta que dá nome à peça. A história do Lourenço é muito mais densa e instigante do que qualquer coisa que você possa ler aqui. Aproveite!)

13 comentários:

Anônimo disse...

Ai Dani ...

Outro dia minha mãe achou meu diário de quando tinha uns 9 anos. Na época tb era bailarinha do jeitinho que vc descreveu. Mas adivinha o que eu queria ser ?? Médica kkk.
Como é bom ser criança rsrsrs.

Anônimo disse...

hehehehheh..... Dani, a maioria das mulheres da nossa família já tentaram seguir a carreira artística. LEmbra? Vc, a Gabi, a Paula (tenho até fotos das duas hehehehe) e até eu já dançamos na infãncia. Pena que o mundo não estava preparado para nos receber hehehe.
MAs levando em conta nossas conquistas e desafios posso concluir que as mulheres da família são verdadeiras artistas.É só olhar a obra de arte que é nossa vida...hehehhe
Bjossssss
Lila

Zagaia disse...

MEU DEUS!!! HAHAHHAHAHHA!! Tenho várias dessas histórias pra contar tb!! Muito bom! Vc me deixou com vontade de ver "o que vc foi quando era criança" tb!
Adorei o texto!
bjo

Anônimo disse...

Garota, dei muita risada com seu texto artístico, meus parabéns.
Fazia algim tempo que não lia algo tão agradavel na net.

Abraços

Juliana Lima
www.eurascunho.zip.net

Dani Marques disse...

Rob,
Toda menina já teve seu momento sapatilha, né? E muitas também já quiseram ser médicas, ou veterinárias (no meu caso)... Poder fantasiar e sonhar tanto é uma das melhores coisas qdo se é criança, né?

Lila,
Pelo bem de todas, queime essas fotos! hehehe E vc tem razão! Nós mulheres "micheleto", somos mesmo umas arteiras... ops... artistas ;)

Lu!
Que legal "te ver" aqui! Nooossaa! Coitadinho do menino Jesus! Haja água benta pra lavar essa uruca, hein?? hehehe

Ju Zagaia!
Me conta suas histórias! Ou melhor, escreva no seu blog, menino! E não deixe de ver a peça. Você vai adorar, eu tenho certeza.

Juliana,
"Volte sempre". Fico contente em saber que você gostou. Vou ler seu blog também!

Beijos em todos...

Renata Marques disse...

O que eu posso dizer, já que presenciei tudo isso??

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Quase ganho um divórcio por causa deste texto, já que o li as 03:10 da madruga e bem, vc sabe, minha risada não é NADA discreta.

Palhaça!

Beijos.

Dani Marques disse...

Rê,
Então era você que eu ouvi rindo de madrugada!! Ahhhh... Agora entendiiiii!!
Louca!
Bjos

Anônimo disse...

Oi Dani, tudo bem? É a 1º que posto algo, mas eu leio sempre o seu blog, viu??? rs
Quando eu era criança eu sempre dizia para minha mãe que queria ser programador de computadores (isso em 82, 83... eu tinha uns 7 ou 8 anos) e que depois faria uma faculdade de Psicologia (é verdade, pode confirmar com ela!!! rs).
Bom,a 1º metade eu já consegui né... Agora só falta a faculdade... rs
Bjs

Lu

Dani Marques disse...

Lú!
Que honra, cunhado! ;)

Nossa!! Ou vc era uma criança estranhamente determinada, já q os pequenos são mais sonhadores do que determinados, ou já era meio bruxo e tava prevendo o futuro, né?? hehehe

Bjos e volte sempre, ok?

Anônimo disse...

Oi Dani, já tentei comentar sobre seu texto mas não deu...
Adorei o seu texto, a peça realmente nos faz lembrar dessa época tão maravilhosa e tão mágica que não volta mais!! Parabéns pelos seus textos, são ótimos!!
Beijos!!
Adri

Dani Marques disse...

Dri,

Este é mesmo um blog de família, hein? Primeiro meu cunhado, agora minha cunhadinha!! hehehe
Que bom que você gostou do meu texto.
Mas a propósito, eu realmente espero que cenas vergonhosas como essas da minha infância não voltem nunca mais!

Bjos e volte mais vezes ;)

Ana Téjo disse...

Dani,
Olha só! Justo hoje, também postei uma história das minhas desventuras no balé. Mas a sua é muuuuuito melhor.
Beijo,
JU...

Dani Marques disse...

Ju!

Eu li seu texto e amei!
Quanto a mim, definitivamente não nasci pra dançar...

Bjo